domingo, 20 de novembro de 2016

Antes o tempo não acabava

"Antes o tempo não acabava", de Sergio Andrade e Fabio Baldo (2016) Anderson mora na periferia de Manaus, em uma comunidade indígena. Ele pertence à tribo dos Tikunas, e os mais velhos possuem hábitos ancestrais que sôam anacrônicos hoje em dia, mas não largam mão e querem que os mais jovens entendam e respeitem os rituais. Anderson passa por um conflito: ele não consegue mais fazendo parte daquela tribo, daquela cultura. Ele quer "Sair da tribo" ( uma alusão mais abrangente do termo "Sair do armário"). Ele quer se tornar parte da civilização dos brancos. Quer morar na capital Manaus, quer se misturar nas festas do homem da cidade, nos karaokês, quer transar com alguém do mesmo sexo, quer ficar bêbado, quer virar cabeleireiro, quer mudar o eu nome. Ele quer fazer tudo o que não é permitido dentro dos ditames de sua tribo. O filme, exibido em Berlin na Mostra Panorama, abraça a linguagem do documentário, do realismo fantástico e da ficção para mostrar essa via crucis existencial de um índio aculturado mas que não consegue se encaixar em lugar algum. Ele é brasileiro, mas se vê como um elemento estranho nesse Brasil miscigenado. Ele pode mudar tudo, menos a identidade visual do índio. Os diretores trabalham esse material de forma contundente e visualmente impactante. Em seu prólogo, acompanhamos Anderson criança fazendo parte de um ritual. A cena em si é instigante e mágica. Já adulto, a cena com a sua passagem por um bar karaokê, com outro índio cantando uma música Heavy Metal, é antológica. Mesmo a cena de sexo entre Anderson e um outro homem que ele conhece é filmada de forma pulsante, ambientada na beira do porto de Manaus. É um filme singular, capitaneado por um ator indígena: Anderson Tikuna brilha no papel de seu homônimo Anderson. Os outros índios da tribo já não são tão bons atores, mas a magia de suas cenas meio que ofusca essa falta de talento artístico. Rita Carelli, atriz pernambucana, interpreta a dona de uma Ong voltada para a comunidade indígena, e com quem Anderson terá um flerte. O filme recebeu 3 prêmios no Festival de Vitória 2016: Filme, roteiro e ator. É um filme autoral, com um tema raro de se ver nos filmes atuais, e por isso mesmo, vale a pena ser visto.

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