quinta-feira, 30 de março de 2017

A Gloria e a Graça

"A Gloria e a Graça", de Flavio Tambellini (2016) O cineasta e produtor Flavio Tambellini tem uma filmografia bastante eclética: tem policial (Bufo e Spalanzani), comédia romântica (Malu de bicicleta), Drama (O passageiro) e agora, um melodrama com tintas Almodovarianas e carregado em tintas de Wong Kar Wai, "A Gloria e a Graça", escrito por Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre ( de "Estômago"). Nessa história focada na emoção, acompanhamos a rotina de Graça (Sandra Corveloni), mãe solteira dos adolescentes Papoula e Moreno. Ela é massagista Ayurvérdica, e por conta disso, a filha Papoula sofre bullying na escola. Ao visitar um médico, Graça descobre que tem um aneurisma que pode fazer ela morrer a qualquer momento. Aconselhada pelo médico, ela procura seu irmão, único parente viva que poderá cuidar das crianças caso ela morra. Ao marcar um encontro com Luis Claudio, que ela não vê há 15 anos, ela leva um susto: ela agora se chama Gloria (Carolina Ferraz), um travesti, dono de restaurante, que em principio se nega a cuidar das crianças, por conta do passado mal resolvido entre as duas. As duas precisam resolver as suas diferenças antes que o pior aconteça. Passeando entre o drama, o romance a uma leve pitada de humor, o filme tem no trabalho das duas atrizes o seu ponto forte. Se a prótese dentaria de Carolina Ferraz é o equivalente ao nariz de Nicola Kidman em "As horas" ( eu só olhava para a boca de Carolina, juro), o trabalho de Carolina compensa qualquer caracterização para a personagem. Sandra, responsável pelo lado mais melodramático da trama, segura a onda, se contendo para não ficar over em cenas demasiadamente fortes de emoção. A fotografia acaba chamando muita atenção e tirando o foco da narrativa, mas o teor polemico da trama ( dentro e fora do filme, por conta da discussão sobre atores cisgeneros, prostituição, aceitação das diferenças e a pratica do bullying) valem a ida ao cinema com amigos e discutirem depois sobre as varias possibilidades de leitura para o filme. De qualquer forma, um filme ousado por aceitar que o mundo mudou, e a mentalidade das pessoas também precisa mudar.

O casamento de Romeu e Julieta

"O casamento de Romeu e Julieta", de Bruno Barreto (2005) Comédia dirigida por Bruno Barreto em 2005, logo após a sua comédia americana "Voando alto", com Gwyneth Paltrow. Adaptado de um texto de Mario Prata, " O casamento de Romeu e Julieta" brinca com o universo da obra de Shakespeare, e ao invés da rivalidade entre as famílias Capuletto e Montecchio, dessa vez temos a trama adaptada para a Sao Paulo contemporânea. O motivo da briga? Nada mais paulistano do que a rixa entre Palmeirenses e corintianos. Julieta (Luana Piovani) é filha de Alfredo (Luis Gustavo), um palmeirense fanático e que criou Julieta para ser uma palmeirense doente. Um dia, o caminho de Julieta se esbarra com o de Romeu (Marco Ricca), um oftamologista viúvo e órfão, que mora com sua avó e seu filho. A família toda é corintiana. Julieta e Romeu se apaixonam, mas ele precisa se fazer passar por palmeirense para agradar ao sogro. A partir daí, confusões acontecem, deixando Romeu totalmente em crise: escolhe a futura esposa ou mantém o coração fechado para a paixão ao time? Na época eu não assisti ao filme, muito por conta de eu não gostar de futebol, mas assistindo agora até que ri bastante, muito por conta da excelente química entre Luis Gustavo, Luana Piovani e Marco Ricca, que me surpreendeu bastante na veia cómica. Em alguns momentos o filme vai pro caminho perigoso do drama dentro de uma comédia, mas logo se recupera. E' sessão da tarde, e no final, ainda dá lição de moral sobre aceitar as diferenças. Vale pelo elenco e pelo passatempo descompromissado.

A vigilante do amanhã

"Ghost in the shell", de Rupert Sanders (2017) Adaptação do mangá cultuado "Ghost in the shell", de Shirow Masamune, e por sua vez, do longa japonês de animação de 1995, " A vigilante do amanhã" tem no elenco globalizado a sua grande força. Scarlett Johanson, Juliette Binoche, Takeshi Kitano ( antologico), Michael Pitt e o dinamarquês Pilou Asbæk dão vida a personagens vibrantes e muito bem construídos. Com ecos de "Blade runner", " Matrix", " O quinto elemento", "Lucy" e "Robocop", o filme consegue criar uma atmosfera impressionante, através de efeitos especiais de última geração. Scarlett Johanson faz parte de um seleto e pequeno grupo de atrizes que faz muito bem qualquer gênero: comédia, drama, ação, ficção cientifica...incrível como ela une talento e sensualidade. Mas o grande chamariz mesmo se chama Takeshi KItano: lá pelo final, ele tem uma frase antológica, onde o cinema vem abaixo:"Mandam coelhos para matar uma raposa?" Que ator extraordinário! Que venha logo a continuação!

Travessia

"Travessia", de João Gabriel (2016) Não fosse as referências de cidade alta e cidade baixa em Salvador, "Travessia" poderia se passar em Amsterdã em qualquer outra cidade europeia. Nunca a capital baiana foi exibida com tanto cinza e clima melancólico como nesse filme. Não há espaço para mães de santo, axé nem carnaval: música eletrônica, droga sintética e relações vazias e frias/distanciadas que somente produções europeias podem proporcionar. Com essa opção, o cineasta João Gabriel oferece um filme duro, dramático e estilizado. Roberto (Chico Diaz, soberbo) ficou viúvo recentemente. Ele tenta se reaproximar de seu filho Julio (Caio Castro) que ele expulsou de casa quando descobriu que traficava, sem sucesso. Uma noite, embriagado, Roberto atropela um menino de rua e o leva até o hospital. Lá, ele conhece uma enfermeira, com quem terá um caso. No filme, não há espaço para amores verdadeira nem amizades reais. Nesse mundo sem cor e sem alma, João Gabriel dirige os atores de forma bastante competente. O roteiro força bastante a Barra ao mostrar personagens que não se deixam amar, às vezes sem muita explicação. Com ótima trilha sonora e fotografia, um corte de uns dez minutos teria sido mais interessante ao filme, que perde ritmo em alguns momentos.

Era o Hotel Cambridge

"Era o Hotel Cambridge", de Eliana Caffé (2016) Uma cena em determinado momento do filme entrega o coração Cinefilo da cineasta Eliana Caffé: 2 personagens transam, em enquadramentos estilizados que fazem referencia ao clássico de Agnes Varda, "As duas faces da felicidade". Eliana Caffé faz de seu "Era o Hotel Cambridge", uma costura narrativa que o cinema iraniano e os documentários de Eduardo Coutinho fazem tão bem: mesclar ficção e documentário, atores e não atores de forma harmônica, a ponto de você se perguntar quem é ator ali no meio. Jurei a mim mesmo que a personagem da líder dos sem moradia, Carmen Silva, era atriz, e quando fui pesquisar, fiquei chocado ao descobrir que ela é real e interpreta a si mesma. Algum produtor de elenco precisa escalar essa maravilha de artista para algum trabalho, ela é simplesmente uma força da natureza. José Dumont e Suely Franco se misturam a não atores e personagens da vida real e vivem moradores da ocupação do prédio do antigo hotel de luxo Cambridge. Ameaçados de despejo em 15 dias, ele se organizam a fim de impedir a expulsão. Com direção pulsante de Eliana Caffé e uma equipe formada por profissionais e estudantes, o filme seduz pela sua mistura explosiva de conteúdo, forma e resultado que mexe com todo mundo. Um microcosmo da sociedade em que vivemos, desse Brasil mesclado de nativos, estrangeiros e refugiados que lutam pelo mesmo Ideal. Um filme polêmico, que polariza discussões intermináveis sobre luta de classes e direitos humanos, seja de forma legal ou não. Obrigatório.

quarta-feira, 29 de março de 2017

T2- Trainspotting

"T2:Trainspotting", de Danny Boyle (2017) Que ninguém duvide do talento do Cineasta Danny Boyle: ele realizou alguns dos melhores filmes das duas últimas décadas. "Cova rasa", "Steve Jobs", "Extermínio" e claro, "Trainspotting", o clássico de toda uma geração. 20 anos depois, ele retoma a jornada da alma de todos os personagens do original, e os fãs, obviamente, babando para saber o que ele teria feito de Renton, Sick Boy, Spud e Begbie. Foi inevitável para mim comparar com a trilogia de Richard Linklater, que se apropria do tempo real, da memória e dos mesmos atores para prosseguir na história. Nesse sentido, fiquei imaginando o quanto Deus foi generoso com Ewan Macgregor. Ele pouco mudou do garoto de 20 anos atrás. Os outros sentiram pesadamente a idade, e isso acabou favorecendo os seus personagens., detonados pela droga que insiste em fazer parte de suas vidas. Após passar mal durante exercícios de rotina na academia onde mora em Amsterdã, Renton (Macgregor) resolve retornar 'a Escócia e enfrentar o seu passado, que envolve perdão e amizade. Ele reencontra Sick Boy, agora dono de um pub decadente, e Spud, ambos totalmente viciados e com suas vidas destruídas. O que eles não esperavam, é a fuga de Begbie da prisão e que, ao saber da presença de Renton, planeja uma vingança sangrenta. O titulo do filme brinca com a continuação de "Exterminador do futuro 2", de James Cameron, que também era conhecido como "T2". E curiosamente, acaba fazendo uma metafora sobre retorno ao passado para ajustar o futuro, e Begbie se fazendo de anjo vingador e assassino. Esse talvez tenha sido um dos itens que mais me incomodou no filme: Begbie era um psicopata sim, mas aqui ele se transformou numa máquina assassina ( com direto a uma perseguição que culmina numa das melhores cenas do filme, no estacionamento). A bipolaridade de Begbie não se manifestou, e ficamos apenas com o seu lado ruim ( apesar do momento familiar dele). A semelhança com a trama do original também tirou o frescor da trama, principalmente porque toda hora a narrativa volta em flashbacks tentando lembrar o espectador o que aconteceu a 20 anos atrás. De positivo, mesmo, a atmosfera de nostalgia (recorrente, ao fazer uso da clássica trilha sonora do original), o trabalho dos atores e a fotografia do craque Anthony Doodle Mantle. Saí do cinema em crise, sem saber se havia gostado do filme ou não. Provavelmente, precisarei de um tempo para apreciá-lo melhor.

terça-feira, 28 de março de 2017

A cabana

"The shack", de Stuart Hazeldine (2017) Há exatos 10 anos, em 2007, o livro " A cabana" foi lançado nos Estados Unidos, e logo, na época , vendeu 10 milhões de exemplares. Escrito por William P. Young, aqui no Brasil vendeu 4 milhões de copias. A adaptação para o cinema se tornaria algo óbvio. Claramente um produto Cristão, o filme acredita nas mensagens que prega, e tem como temas o perdão, a culpa, a depressão e a falta de amor. Se você é um espectador repleto de preconceitos com filmes religiosos e apenas quer ver por causa da Octavia Spencer e Sam Worthington, melhor se poupar e não ver para não se irritar. A cada minuto, algum personagem declama uma frase de sabedoria ou mensagem de fé. Agora, se você, assim como o personagem Mack Philips, se permitir assistir ao filme sem julgamento, sem preconceito, pode ser que você goste. E Bastante. Inegável o desejo dos produtores: fazer a plateia chorar e se emocionar. Toda hora uma reviravolta na trama, com musica alta melodramática, nos faz lembrar de que os personagens vão conseguir dar a volta por cima. O intento é um só: se liberte de suas amarras e permita Deus e suas palavras invadirem sua alma e seu coração, perdoando a quem nos machucou. Dito assim, parece ser um filme doutrinário. Mas ele evita, de verdade. Ele faz o espectador decidir sobre as suas ações e a do personagem, sempre dando pelo menos 2 caminhos a seguir. Claro que tanto sucesso na dramaturgia só foi possível por conta do elenco escolhido: Sam Worthington e Octavia Spencer estão maravilhosos. Difícil pensar em outra atriz para interpretar Deus com tanto deboche, amor e respeito. Sam prova aqui seu talento, no caminho perigoso do melodrama, mas se sai super bem. A fotografia e a trilha sonora funcionam bastante, além dos efeitos especiais, parte fundamental para que o público aceite o filme. Alice Braga faz uma participação bem interessante, no papel da "Sabedoria", com bastante força e abraçando seu personagem com garra. O filme esta antenado com a época: Jesus é um ator árabe, o Sabor da vida, uma japonesa, Deus uma mulher negra e `as vezes, um Indio, e Alice Braga, a sabedoria. Negros, latinos, árabes , indígenas e orientais devidamente representado na tela, e as religiões unidas em um só coro: Deus é amor! Cafona? E' sim. Mas também, muito bonito. Deixe seu preconceito em casa e vá assistir a um filme bem realizado. E com um propósito bem definido.

La vinganca

"La vingança", de Fernando Fraiha (2016) Longa de estréia de Fernando Fraiha, "La vingança" foi exibido no Festival do Rio 2016 e imediatamente ganhou status de cult. Por um lado, é ótimo porque ganha a simpatia da crítica. Por outro, ser chamado de cult pode virar uma maldição: O público acha que é um filme cheio de referencias e citações e acaba se afastando. Infelizmente, aqui no Brasil, diferente da Argentina, o filme não conseguiu seduzir o publico de cinema brasileiro. O fato de o elenco principal não ter um nome que remeta a humoristas da Rede Globo é sempre um risco a ser tomado, mas por outro, ganha frescor e o sabor de novidade. Co-produzido por Brasil e Argentina, o tema remete a um eterno clichê entre os brasileiros X los hermanos. a disputa pelo melhor futebol, melhor jogador e quem é melhor pegador quando se fala de mulheres. Caco e Vadão (Felipe Rocha e Daniel Furlan, mais cult impossível) formam uma dupla de dubles de ação decadentes. Vadão possui um opala amarelo, que ele chama de Jorge. Julia (Leandra Leal), namorada de Caco, lhe manda uma mensagem para que eles possam conversar. Essa é a deixa para Caco pedir a mão dela em casamento. Mas ele não esperava chegar no trabalho dela e vê-la transando com o chef argentino. Julia decide ir morar em Buenos Aires com o Chef e Caco, repleto de sede de vingança, convence Vadão e leva-lo para lá, sem dizer os reais motivos da viagem. Divertido quando precisa ser, e dramático e romântico na medida certa, "La vingança" tem claramente referencia ao cinema de Tarantino e Guy Ritchie, e a vive setentista do filme, tanto no visual quanto na trilha sonora, só corrobora essa sensação. Os atores estão ótimos, a piada vem na medida certa ( apesar de eu achar que Vadão poderia ter sido mais humanizado, para não ser apenas o personagem da comédia).

segunda-feira, 27 de março de 2017

Holy Hell

“Holy Hell”, de Will Allen. Exibido em Sundance 2016, esse polemico documentário conta a historia do Guru Michael, que desde 1985 mantém seguidores em busca de conscientização e um sentido para vida. Will Allen, documentarista do filme e ex-membro, faz um alerta sobre a verdade nua e crua dessa seita, chamada de “Buddahfield”. Fundada na Califórnia por um ex-ator fracassado, que chegou a trabalhar em filmes pornôs gays (essa informação veio depois, os membros do grupo desconheciam) a seita promovia uma comunidade livre onde jovens bonitos e de corpos esculturais conviviam em harmonia, perante pensamentos baseados no budismo. Michael, no entanto, proibia o sexo entre os seus seguidores, desconhecendo que todos transavam entre si ( ele dizia que o sexo era algo sujo e patético). Posteriormente, foi descoberto que ele forçava relação sexual com os homens e obrigava as mulheres a praticarem o aborto, assim que descobria que elas estavam grávidas. O filme aborda 22 anos da convivência de Will Allen nesse grupo ( Allen era estudante de cinema e quando seus pais descobriram que era gay, foi expulso de casa. Sua irmã, Amy, que era do grupo, o convidou, e Allen foi promovido a ser o “documentarista”, registrando passo a passo tudo o que acontecia ali). Com a sua saída em 2007, Allen resolveu fazer esse documentário, que levou anos para editar, convocando ex-membros para darem depoimentos contundentes. A seita , depois de Califórnia, foi para Asutin, Texas, com quase 100 seguidores, e hoje, ela está baseada no Havaí, com cerca de 85 membros, que não acreditam nos fatos divulgados publicamente contra Michael. O filme é interessante. Para qualquer espectador, é impressionante tentar entender o que levou centenas de jovens inteligentes e abdicar de família, amigos, empregos e bens materiais para viver de forma primitiva com Michael e os outros, trabalhando como escravos e sendo obrigados a exercer ações que eles odiavam como aulas de ballet, que Michael amava. Alguns membros alegam que Michael promovia “Lavagem cerebral”, uma vez que ele era Ator e também adepto da Hipnose e conseguia manter influencia sobre todos. O documentário teria sido muito mais interessante se tivessem dado voz de defesa para Michael. Mesmo assim, um ótimo filme para se fazer estudo de personagens.

Não sou um canalha

“Je ne suis pas un salaud”, de Emmanuel Finkiel (2015) Esse é um dos dramas mais sofridos e angustiantes que vi recentemente. Li algumas matérias falando sobre o filme, e o comentário de um espectador me chamou a atenção: Ele pedia para que qualquer espectador com tendências ao suicídio, fosse impedido de assistir ao filme. Pois é. Eu mesmo me restringiria a alguns poucos amigos para recomendar a assistir ao filme. Não que ele seja ruim. Pelo contrario. Tem 2 performances brilhantes: a de Nicolas Duvauchelle, no papel do protagonista Eddy, e de Mélanie Thierry, no papel de sua ex-esposa Karine. Eddy é um homem na faixa dos 30 anos, desempregado. Por conta de seu temperamento, Karine se separa dele e mora com o filho pequeno deles. Ela trabalha como repositora de compras em uma grande loja de departamentos. Eddy se torna alcoólatra. Um dia, durante um workshop de vendedor, ele é humilhado pelo instrutor. Ele sai para beber. No caminho, ele sofre um assalto e é ferido. Levado ao hospital, ele recebe a visita de Karine, que penalizada, o aceita de volta. Ela consegue arrumar um emprego na loja onde trabalha, convencendo o seu patrão a contrata-lo em um sub-emprego. Paralelo, em uma audiência, Eddy acusada falsamente um jovem de origem árabe de ser o autor do assalto que o vitimou. A partir daí, as duas vidas vao se destruindo ao longo do filme. De verdade, não é um filme fácil de se assistir. Nicolas Duvauchelle interpreta um dificílimo papel de um homem que não encontra qualquer simpatia com o público. Fui ficando cada vez mais irritado com o caminho que o seu personagem vai seguindo. O diretor Emmanuel Finkiel., que também é roteirista, não sente o mínimo carinho por nenhum de seus personagens. Se quer assistir a um filme com ótimas performances, veja. Se quer um filme para relaxar e descontrair, passe bem batido do filme. Curiosidade: durante uma festa, toca “Taj Mahal”, do Jorge Benjor.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Tschick

“Tschick”, de Fatih Akin (2016) Todo cineasta famoso tem direito a fazer um filme “coming of age” em algum momento de sua carreira. Fatih Akin, o cineasta alemão ( na verdade, turco) mais famoso atualmente, começou a sua carreira realizando dramas pesados e premiadíssimos sobre conflitos culturais e sociais de turcos que moram na Alemanha (Contra a parede, Do outro lado). Depois, foi suavizando seus temas e adentrando o universo das comédias com contexto social (Soul Kitchen) e documentários musicais, até abraçar, definitivamente, o cinema comercial, com esse “Tschcik”, baseado em livro juvenil. Com uma pegada totalmente pop e cheio de referencias a vários filmes sobre o mesma tema ( adolescente nerd e deslocado apaixonado pela garota mais bonita e sebosa da escola, fica amigo de outro aluno que chega, que também é diferente, porém mais livre, rebelde e esperto do que ele. A convivência com ele fará com que ele mude o seu comportamento no final do filme.) Ok, ok, você já viu esse filme mil vezes, e eu também. A diferença, é que o tal do amigo rebelde aqui, é um russo oriental, que se diz cigano judeu, tem cara de chinês, é totalmente despirocado e é um figuraça totalmente apaixonante. Ele é a principal razão para se assistir a esse filme. A Outra, é a deliciosa e eclética trilha sonora, que vai de Genius of love (Tom Tom Club) a Richard Clayderman. A atriz que faz a mãe alcoólatra e a jovem atriz que faz a sem teto que quer ir para Praga também são formidáveis. Nesse road movie, tem espaço para vários tipos estranhos que surgem no caminho ( até mesmo uma família estilo “ Capitão Fantástico”). Fatih Akin resolveu fazer aqui um filme intermediário entre seus grandes e densos filmes. Bom saber que cineastas consagrados tem horas que só querem saber de se divertir. E nós também. Confesso que rolou uma lágrima no final.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Pandora

“Pandora”, de Park Jong-Woo (2016) Lembram de “Armageddon”, de Michael Bay? Pois “Pandora” tem todas as características desse filme: cinema catástrofe, melodrama em excesso, trilha sonora grandiloquente, efeitos especiais mirabolantes, critica ao governo inepto e principalmente, um protagonista patriota e heroico, além das imagens estonteantes em aéreas e planos gerais com direto a muito por do sol e amanhecer. Pois troque o meteoro por uma Usina nuclear prestes a explodir. Acrescente aquele exagero na atuação típico das atuações sul-coreanas, com a tendência para a caricatura mas que a gente acha divertido. E pense que esse filme tem quase 2:20 de duração. (Sim, podia ter 90 minutos). O filme não é ruim. E’ até bastante competente (me surpreendi que é a estreia do diretor, com muita segurança e comando de cenas apoteóticas). E é também a primeira produção que a Netflix comprou na Coreia do Sul para distribuir mundialmente. Para quem deseja apenas assistir a um filme catástrofe, vai curtir bastante. E vai se surpreender pois ali, tem um teor dramático bem forte ( o ato heróico dos funcionários da usina, que se sacrificam para salvar a população, indo contra o mau-caratismo do Governo que insiste em esconder da população o que esta acontecendo). Quem nunca assistiu a um filme sul-coreano, vai estranhar porque os atores exageram e gritam o tempo todo. E’ cultural. Passada essa fase e essa compreensão, vai acompanhar a história de Kang Jae-hyuk, um jovem mecânico que trabalha em uma Usina nuclear junto de seus 4 amigos de infância. Ele mora com sua mãe, sua cunhada e seu sobrinho numa Ilha da Coreia do Sul. Um dia, a Usina explode, a população evacua a cidade, mas os funcionários que estão na Usina se contaminam e precisam impedir que o reator exploda de vez, contaminando todo o Pais. E é aí que entra o ato heróico do grupo. O roteiro em si, co- escrito pelo próprio diretor, não traz novidades ao gênero. O que surpreende, é a alta qualidade técnica dos sul coreanos ao desenvolver um filme blockbuster em tão altas proporções. Aqui no Brasil, seria totalmente inviável um filme assim. O titulo se refere a "Caixa de Pandora", citado por um dos personagens quando crianças alertando sobre o perigo da Usina e que um dia, algo de muito ruim sairia de la de dentro.

quarta-feira, 22 de março de 2017

A longa caminhada de Billy Lynn

“Billy Lynn's long halftime walk”, de Ang Lee (2016) Uma pena que esse filme de Ang Lee, baseado no libro de mesmo nome, não tenha sido lançado nos cinemas brasileiros e ido direto para o formato de dvd. Filmado em 3D e com a altíssima qualidade 4K, Ang Lee inovou ao filmar em 120 frames, o que confere ao filme uma resolução de imagem hiperrealista. Quem assistiu na tela grande jura que parecia estar vendo os atores “vivos” na sua frente, como num palco de teatro. O filme foi um hiper mega fracasso nos Estados Unidos, tendo custado 40 milhões de dólares e faturado menos de 2 milhões. Essa superprodução, arrebatadora nas telas com a sua grandiosidade ( dividido principalmente em 2 grandes núcleos: a guerra no Iraque em 2005 e a homenagem que esses heróis receberam durante os jogos americanos de futebol no Texas no dia da Ação de Graças, com direito ao show de Destiny’s child ( grupo que Beyonce fazia parte). O filme se passa exatamente nesse dia da homenagem, e pelo ponto de vista psicológico de Billy Lynn, retrocedemos em flashbacks para entender o que se passou no dia do ataque ao grupamento no Iraque, quando Lynn sagrou-se herói, ao tentar resgatar com vida o Sargento vivido por Vin Diesel. Repleto de participações de famosos (Kristen Stewart faz a irmã de Billy, Steve Martin, um agente de esportes inescrupuloso, Chris Tucker, o assistente de Steve Martin, Garret Hedlund (Sargento Dime) , “Billy Lynn” encontra no novato Joe Alwyn a doçura e encantamento do retrato do jovem que e voluntariou na Guerra por motivos torpes e acabou se modificando por conta das atrocidades vividas. Porem, a critica do filme é que, pior do que a Guerra e a sua violência, é a violência e a ganancia do homem da mídia, que faz de tudo para tirar proveito do momento heroico dos soldados, através de contratos e eventos ultrajantes. O filme, no entanto, não me agradou como eu esperava. Talvez eu precise revê-lo, pois eu tinha um outro filme em mente. O ritmo lento e a introspecção do personagem principal me afastaram da narrativa. O que enche os olhos de fato, é a grande tecnologia e as imagens impressionantes comandadas por Ang Lee, um grande Mestre que entende como poucos de orquestração de imagens grandiloquentes. Tomara que o fracasso do filme não intimide Ange Lee de continuar produzindo longas suntuosos, onde na verdade, o que interessa, é a alma do personagem. Aqui, não chegou a arrebatar. Mas Lee já produziu tantos filmes extraordinários, que a gente releva e muito.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Suntan

“Suntan”, de Argyris Papadimitropoulos (2016) Sou um grande amante dos filmes gregos justamente pela sua visceralidade. Sexo e nudez são uma tônica presente em todos os filmes, sem qualquer tipo de censura. Nesse cruel “Suntan”, o cineasta e roteirista Argyris Papadimitropoulos narra a tragédia de um homem de meia-idade, Kostis ( o excelente Makis Papadimitriou), um médico que vai trabalhar em uma Ilha grega, famosa pelas suas festas regadas a muito sexo durante o verão. Pacato, Kostos é venerado pela população local. Mas ai chega o verão, e com ele, a juventude dourada, que anda nua nas suas praias. Numa dessas andanças, Kostis conhece um pequeno grupo, e lá, conhece Anna, uma jovem liberal. Kostis confunde o amor livre de Anna e acredita que ela está apaixonada por ele. E ai começa a sua grande derrocada ao inferno. Quem assistiu “ O anjo azul”, clássico de Josef Von Stenberg, vai encontrar grande similaridade temática. E é verdade. Mas aqui em “Suntan”, mais uma vez, me chama a atenção a entrega dos atores gregos. Eles não tem o mínimo pudor para nada. Andam nus com uma facilidade impressionante. A direção de Argyris Papadimitropoulos é perfeita, intensificando a tensão que aos poucos, vai dominando o filme. O final é angustiante e arrebatador. As locações do filme são apaixonantes, e para amantes do sexo livre, provavelmente essa ilha grega entrará fácil em uma próxima viagem de férias.

domingo, 19 de março de 2017

Paro quando quero

"Smetto quando voglio", de Sidiney Sibilia (2014) Divertida comédia parodiando a série " Breaking bad" e filmes de Tarantino e Guy Ritchie, "Paro quando quero" foi um grande sucesso na Itália. Filme de estreia de seu diretor, que também co-escreveu, é uma sátira feroz e bastante cruel da atual situação sócio- econômica na Europa. Pietro é um professor de química na faixa dos 30 anos e que perde seu emprego. Sem coragem de contar para a sua esposa, a assistente social Giulia, que perdeu o emprego, ele se inspira em um de seus alunos que consome drogas ditas "legais" na noite de Roma e resolve ele mesmo produzir uma pastilha sintética para ganhar dinheiro. Para isso, ele convoca seus amigos professores, cada um com uma especialidade, e como ele, desempregados ou em sub-empregos. Logo eles fazem sucesso e também ficam na mira do maior traficante da área, irritado com a concorrência. Com um divertido humor que sacaneia tudo e todos, e um elenco sensacional de atores italianos dispostos a anarquizar geral, o filme lida com tipos caricatos, sem que isso seja uma crítica. São personagens carismáticos na sua melancolia e depressão, todos em busca de um lugar ao sol. Bem dirigido, com uma fotografia " ácida" e de cores fortes pendendo pro verde, o filme só não é melhor porque esticou uns 15 minutos além da conta, deixando algumas cenas sem Ritmo. Mas vale super assistir. Filme cult sem dúvida alguma. Afinal, vale ter diploma?

O príncipe do outono

“Syysprinssi”, Aali Haapasalo (2016) Belo drama finlandês, que lembra bastante o tema central do clássico “ Nasce uma estrela”. Em 1996, uma escritora de sucesso, Inka (Laura Birn), vai até uma Clinica psiquiátrica fazer uma ultima visita a Juhana (Lauri Tilkanen), um ex-escritor depressivo e auto-destrutivo. O filme retrocede para 1980, época onde o Movimento punk está no seu auge, influenciando escritores e artistas. Entre eles, Juhana, uma grande promessa da literatura, autor de um romance. Estudante de letras e bastante inquieto, Juhana conhece Inka, também estudante de letras. O que os afasta é a classe sócia. Ele, filho de pais ricos. Ela, filha de uma viúva, pobre. Ambos se apaixonam perdidamente, e Juhana pede para que Inka venha morar com ele em seu apartamento estúdio. Seguem-se dias de muita paixão. E é essa paixão que acaba minando a criatividade literária de Juhana, e fazendo florescer em Inka. Aos poucos, a situação se inverte. Ela faz sucesso, ele vai ao fundo do poço. Com excelente reconstituição de época ( figurino, maquiagem) e uma trilha sonora repleta de grandes clássicos do punk ( The Clash, etc), o filme seduz pelo trabalho excepcional do jovem casal de atores. Para quem viveu intensamente os anos 80, irá sentir uma intensa nostalgia. Dramaticamente, o roteiro alanca o seu objetivo, mesmo que muito calcado em “Nasce uma estrela”. Delicado, o Diretor Aali Haapasalo trata do tema do ciúme profissional e da depressão com bastante respeito. Excelente fotografia e um filme em constante tom de melancolia. Para quem aprecia filme depressivo, é uma ótima pedida. No fundo, uma bela história de amor.

sábado, 18 de março de 2017

Lua em sagitário

“Lua em sagitário”, de Marcia Paraiso (2016) Dirigido e escrito pela documentarista Marcia Paraiso, e fotografado e co-produzido pelo seu sócio Ralph Tambke, “Lua em sagitário” é um filme direcionado ao público adolescente, e assim como outros do gênero, fala do primeiro amor, da internet, do rock, das drogas e da descoberta de um mundo muito diferente daquele contado pelos pais e professores. Esse mundo, o dos MST, dos assentados, é o que move a protagonista Ana, que se apaixona por Murilo. Ana, filha de descendentes de europeus que lutaram pela suas terras e hoje, comerciantes de classe média com casa própria. Murilo, filho de mãe solteira, assentados em um terreno invadido pelos MST. O que os une é a paixão pela musica e o ponto de encontro deles, A caverna, um misto de bar, lan house, comandado por LP ( o francês Jean Pierre Noher). Ana esconde de seus pais que Murilo é assentado, temendo que eles o rejeitem. Ousada, Marcia Paraiso aposta em um filme sem nomes conhecidos. Mais: são todos regionais, com sotaque forte, de Santa Catarina. Conhecidos, apenas Noher e uma breve participação de Serguei e Elke Maravilha ( em sua última aparição artística, antes de vir a falecer), numa estranha e muito louca cena onde os jovens irão bater na porta deles pedindo ajuda quando estão indo em direção a um show de rock. A cineasta Marcia não larga mão de seu olhar documental, e mescla a parte ficcional com o registro rotineiro do assentamento de Murilo, focando nas famílias e como vivem nas condições precárias. Engajado sem ser totalmente panfletário, o filme faz parte daquele tipo de filme que os americanos chamam de “Coming of age”. Ana desabrocha em todos os sentidos. E ao final do filme, ela se liberta e se torna uma mulher independente e repleta de anseios e desejos. Uma pena que o filme não tenha encontrado espaço para permanecer mais tempo no circuito comercial. Mas sendo reprisado no Canal Brasil, é uma boa chance de descobrir o que é produzido fora do eixo tradicional Rio/SP/Pernambuco, com temática e olhar bem distinto. Manuela Campagna e Fagundes Emanuel possuem carisma o suficiente para sustentar os seus personagens, apesar de soarem naturalistas demais. Talvez tenha sido a pedido da diretora, de querer aproximar os personagens ficcionais dos retratados em documentário. O que destoa mesmo, é o casal Serguei/Elke, mas acredito que ali seja uma brincadeira com a casa de “ Joao e Maria’, onde os “doces” (drogas) ofertados, sejam a abertura para uma nova frente sensorial e de descoberta por parte do casal principal. O filme tem uma atmosfera bem anos 80, daqueles filmes realizados no sul do Pais e que somente surgiam aqui nos Cineclubes. Simples, sem grandes pretensões. Em vários momentos, me remeteu a “Casa Grande”, de Felipe Barbosa, pelo questionamento levantado sobre o engajamento dos jovens em relação `a classe pobre ( no filme, um jovem classe media alta se apaixonava por uma estudante que mora em comunidade, e ao visitá-la na favela, ele se encanta com o lugar).

quinta-feira, 16 de março de 2017

A bela e a fera

“Beauty and the best”, de Bill Condon (2017) Quando falamos de diretores de Hollywood ecléticos, normalmente as pessoas só costumam se lembrar de Kubrick, Christopher Nolan, Robert Zemeckis e Steven Spielberg. Mas quem é o Cineasta que dirigiu projetos tão dispares, como “Deuses e monstros”. “Kinsey”, “Dreamgirls”, “Crepusculo”, “Mr Holmes” e agora, a versão live action de “ A bela e a fera”? Pois é, esse é Bill Condon. Sempre que pode, dá o seu toque extremamente gay para os projetos. Com “A bela e a fera”, Bill Condon provavelmente terá realizado o filme mais divertidamente gay de 2017. A história todos já conhecemos, mas o que não sabíamos, é que esse filme difere em muito do desenho premiado da Disney. Personagens novos, resoluções novas, musicas novas. O que ficou igual foram os sentimentos e a grande metáfora do conto: Quem vê cara, não vê coração. Ah, sim, esses novos tempos pedem que a Disney se adapte: A protagonista está mais determinada e independente do que antes, personagens gays e elenco negro pululam nas telas. Quem viu o desenho, pode assistir sem susto. Bill Condon aproveita para homenagear o Cineasta e coreógrafo Busby Berkley, o grande mago dos musicais dos anos 30 e 40, que realizava coreografias surrealistas. A grande surpresa fica nos créditos, quando atores se revelam debaixo de tanta maquiagem. Emma Watson pode voltar a ficar feliz por ter perdido seu papel em “La la land”: ela está tão incrível.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Taekwondo

“Taekwondo”, de Marco Berger e Martin Farina (2016) Quem conhece a filmografia dos cineastas argentinos Marco Berger e Martin Farina, já sabe o que vai encontrar: homoerotismo, homens totalmente nus, elenco formado por atores/modelos, closes em genitálias, corpos suados, olhares repletos de tensão sexual entre personagens indefinidos na sua sexualidade. Foi assim em “Fullboy”, “Tensão sexual”, “Hawaii” e agora com “Taekwondo”, que rodou Festivais do mundo inteiro. Dramaturgicamente, as histórias giram sempre em torno de um gay que se apaixona por um hetero. No mundo de Marco Berger, principalmente, todos os heteros tem uma pezinho na bissexualidade. Os diálogos são improvisados, e muito falatório jogado fora. Típico papo de homens: futebol, mulheres, cervejada. E como gostam de tomar banho! Seja na piscina ou no chuveiro, é com muito despojamento que todos tiram as roupas. O parco fiapo de história é sobre Fernando, que convida um colega que treina Taekwondo na academia para passar um final de semana em sua casa de veraneio. Chegada lá, German se depara com outros 7 homens heteros, todos amigos de Fernando ( as mulheres de cada um foram dispensadas). German, gay não assumido, se reprime diante dos outros homens e se faz passar por hetero, tendo que conversar sobre assuntos que provavelmente ele odeia. Mas toda a vez que ele está com Fernando, seus olhares se cruzam de forma diferenciada. Como todos os filmes dos cineastas, os filmes são longos e extremamente tediosos. Não te muita dramaturga, só papo jogado fora. O que interessa a eles é filmar em closes de total nudez, enquanto eles falam qualquer coisa. Martin Farina tem um olhar totalmente voyeurístico na sua câmera. Para quem gosta de homoerotismo sem pornografia, esse filme vai fazer muito sucesso.

domingo, 12 de março de 2017

Pais

“Foraeldre”, de Christian Tafdrup (2016) Exibido no Festival de Tribeca em competição, “Pais” é uma fábula melancólica sobre envelhecer e desapegar, dois temas que geralmente provocam convulsões de lagrimas nos espectadores. No entanto, o Diretor e roteirista dinamarquês Christian Tafdrup evitou inteligentemente o elemento piegas em seu filme. Vibeke e Sandra são um casal feliz na faixa dos 55 anos. Esben é o filho único. Um dia, Esben cria independência e sai de casa. Quando vão visitá-lo, os pais estranham a indiferença do garoto. Aos poucos, entendem que o desapego faz parte da vida, mas Sandra sofre demais essa ausência do filho e deprime. Vibeke descobre que o apartamento que o casal morava quando tinham 20 anos está `a venda, e resolvem comprá-lo para morar lá. Conscientemente, eles decoram o lugar como na época onde moravam ali, quando jovens. Um dia, quando acordam, o casal descobre que voltaram a ser os jovens de 20 anos. Mas o mundo continua ao mesmo. Esben estranha de inicio, mas logo se acostuma. Para a infelicidade de Vibeke, Esben e Sandra se apaixonam. Lidando com o realismo fantástico e o perigoso tema do incesto, Christian Tafdrup se escora no talento extraordinário da dupla de atores Miri Ann Beuschel e , respectivamente pai e mãe. Dando vida a difíceis personagens, os atores conferem dignidade ao filme. O filme apesar da fantasia, é tratado como um drama realista. E’ triste, comovente. Vale a pena assistir.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Kong- A ilha da caveira

“Kong- A ilha da caveira”, de Jordan Vogt-Roberts (2017) Curioso o caminho de um cineasta mega independente como Jordan Vogt-Roberts, que tinha no currículo 2 filmes pequenos e baratos, e de repente, estar comandando um mega blockbuster como ”Kong-A ilha da caveira”. Com certeza, é preciso ter muito culhão para tal desafio. E em partes, foi bem realizado. Subvertendo a história original do filme “King Kong”, onde na segunda metade do filme ele era levado até Nova York para o desfecho no Empire States, esse novo filme acontece quase em sua totalidade na tal Ilha da Caveira, e ali termina. O filme começa com um breve prólogo que acontece no ano de 1944, e daí parte para 1973, quando os Estados Unidos perderam sua batalha no Vietnã. 2 pesquisadores procuram o Governo querendo que financiem uma missão até a misteriosa Ilha da Caveira, localizada no Pacífico. Para convencer o financiamento, eles alegam que os russos podem chegar ali primeiro e serem pioneiros na descoberta de curas para doenças e outras possibilidades. Assim, um grupamento militar vai até lá nessa missão. Os soldados que estariam de volta para a sua casa nos Estados Unidos, recebem essa última missão. Eles se encontram na Tailandia, e de lá partem para a Ilha. Entre eles, o mercenário James Conrad (Tom Hiddleston), a fotógrafa Weaver (Brie Larson) e o General Packard (Samuel L Jackson). No elenco, também temos John C Reilly no papel de Hank, sobrevivente de 1944, e Bill (John Goodman), um dos pesquisadores. Ao chegarem na Ilha, se deparam com monstros pré-históricos e o Rei de todos, o grande macaco King Kong. Como filme de ação, o filme funciona bastante. O cineasta Jordan Vogt filma as cenas com muita estilização na fotografia e na textura, e com ótimos enquadramentos. Os efeitos são muito bons. O que faltou foi ritmo e clima de tensão. O roteiro deixa bastante a desejar, com desdobramentos óbvios e alguns bastante irritante. Os personagens também são mal desenvolvidos. A quantidade de personagens é tão grande, que acaba que fica tudo pulverizado. John Goodman está absurdamente mal aproveitado. A personagem da fotografa é uma louca: no meio de tantas mortes, ela fica ali, tirando foto, como se estivesse tudo lindo e maravilhoso. Samuel L Jackson tem um personagem ridículo e muito irritante em sua obviedade. E Tom Hiddleston tenta dar um charme a La Indiana Jones ao seu mercenário, mas faltou o carisma que eternizou Harrison Ford. As referencias a “Apocalipse now” são muito gritantes e escancarados. Inclusive o personagem James Conrad tem o sobrenome do autor de “No coração das trevas”, Joseph Conrad, livro que deu origem ao filme de Coppola. Quer saber mesmo quem é o melhor em cenas e mais carismático? Kong!!! A gente acaba torcendo bastante por ele.

SIlêncio

"Silence”, de Martin Scorsese (2016) Projeto de mais de 3 décadas de Scorsese, “Silêncio” é baseado em livro homônimo do escritor japonês católico Shuzako Endo. Não é a obra-prima de Scorsese, considerando que ele tem em seu currículo “Taxi driver” e ”O touro indomável”. Mas é um filme de muitas qualidades. No Sex XVII, 2 padres católicos portugueses, Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupe (Adam Driver), são enviados em uma missão para o Japão para saber o paradeiro do Padre Ferreira (Liam Neeson), dado como desaparecido e aparentemente renegado a sua fé cristã e se juntado aos japoneses budistas. Chegando no Japão, os 2 padres encontram em um vilarejo isolado um grupo de japoneses convertidos para o cristianismo. Porém, esse mesmo grupo, é ameaçado pelo Inquisidor do Governo japonês, que quer que eles renunciem `a fé cristã, pisando em cima de uma imagem de um santo. Os que se negam são enviados para um martírio onde o caminho é a morte. Os 2 padres passam então a sofrer na pele os desígnios da fé cristã: pedem para o grupo renunciar a Deus para se manterem vivos? Apaixonado pelo tema do conflito entre a religiosidade e o caminho a seguir, Scorsese retoma a angústia de “A ultima tentação de Cristo”, quando o próprio Cristo se questiona sobre os seus atos durante a sua crucificação. O filme, longo, tem quase 3 horas de duração. Tecnicamente extraordinário, com a fotografia dramática de Rodrigo Prieto, indicada ao Oscar, o filme tem no trabalho dos atores o seu elemento mais poderoso. O trio Garfield/Driver e Neeson está intenso, além da estranhíssima presença do ator japonês Ossey Igata, no papel do inquisidor, dando vida a um personagem quase andrógino. Foi impossível não me lembrar de “Apocalipse now” e de “A missão” enquanto assistia ao filme. “Silêncio” é um filme duro, sofrido, violento, mas de extrema beleza. Vale conferir.

domingo, 5 de março de 2017

Waiting for B

“Waiting for B”, de Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel (2016) Em novembro de 2016, 12 fãs de Justin Bieber iniciaram um acampamento próximo ao Sambódromo para um show que acontece no dia 29 de março de 2017. Ou seja, 5 meses depois. Se formos pensar em longevidade, os fãs de Justin no Rio se sacrificam mais do que o dobro do que os fãs da Beyonce em São Paulo. Mas o que aproxima esses 2 universos? O mesmo que nos anos 60 aconteceu com o furor dos fãs de The Beatles. Ou em qualquer época seguinte a qualquer cantor ou banda hiper mega pop do Universo. Madonna com certeza teria o seu séquito desde os anos 80, mas os tempos eram outros e a afirmação e determinação da juventude gay era totalmente diferente. Eram poucos os que saiam do armário. No documentário “ Waiting for B”, o que interessa, mais do que essa espera dos fãs para verem seu ídolo, é entender o espelhamento. Quem é o ídolo? O que ela representa? Na maioria dos casos ( e toda entrevista que eu lia sobre fãs de Madonna a resposta era sempre igual) é porque o ídolo foi um baluarte contra a repressão sexual, foi um baita motivador [para a saída do armário. O ídolo sofreu, ( Beyonce é negra, venceu num mundo dominado pelos brancos, segundo uma fã). Para muitos, foram importantes porque os fizeram aprender o inglês, a sonhar com um futuro melhor ( um fã se diz americano, inclusive tendo um codinome em inglês, porém nunca pisou nas terras de Tio Sam). Alguns entrevistados ( maioria gays, mas existem também mulheres simpatizantes, uma delas cover de Beyonce nas boites) apresentam suas casas na periferia, seu lugar de trabalho, sua família. Tem um que trabalha no salão luxuoso e caríssimo de Celso Kamura, que cobra uma fortuna por qualquer serviço, mas ele mora em uma casa pobre em uma comunidade. Através da alegria de um mega show cheio de pirotecnias ( que nem é mostrado), o documentário, brilhantemente, apresenta um mundo triste, cheio de sonhos frustrados, uma geração que insiste em lutar ( na metáfora dos Lgbts que não se abatem nem perante os torcedores de futebol em dia de jogo). Paga-se caro para 2 horas de felicidade. Mas a saída do show é um infeliz reencontro com o mundo real. O filme venceu o prêmio de melhor Filme no Festival MixBrasil 20

Além da paixão

“Além da paixão”, de Bruno Barreto (1986) O que chama mais atenção nesse filme de 1986 de Bruno Barreto não é o fato da protagonista Regina Duarte estar nua em cenas de sexo (feito inédito até então em sua carreira), nem ela interpretar uma arquiteta que tem sonhos eróticos fazendo sexo com travestis, nem ela se relacionar com um garoto de programa traficante, muito menos sentir prazer com a dor de uma tatuagem. O que chama mais atenção, era que no Brasil daquele época, uma família classe média alta que morava em uma Mansão deixava os portões de entrada da casa abertos , sem segurança alguma. Bons tempos aqueles. “Além da paixão” foi escrito por Bruno Barreto e Antonio Calmon. Naquela época, Calmon já havia feito muito sucesso com os filmes “Menino do Rio” e “Garota dourada”, ambos da mesma produtora, Lc Barreto. O tema do filme, uma mulher classe media alta, vida confortável mas entediante que se deixa seduzir pelo garoto de programa traficante e se encanta com a marginalidade, não era novidade nem na época. No mesmo ano, Jonathan Demme ( de “O silencio dos inocentes” lançou “ Totalmente selvagem”, com um tema muito parecido, com Jeff Daniels fazendo o papel de Regina Duarte. Sim, a grande novidade e marketing de “Além da paixão” era isso mesmo: assistam Regina Duarte em cenas tórridas de sexo!!!! De fato, as cenas que ela protagoniza foram únicas, e acredito que Regina somente tenha feito algo tão visceral assim em “Gata velha ainda mia”, belo suspense psicológico de Rafael Primot onde ela interpreta uma escritora psicopata. Mas a grande delicia desse filme, é se divertir com o visual decadente da Boca do lixo, onde foram filmadas as cenas do cabaret, e principalmente, se divertir bastante com o performer argentino Patricio Bisso no papel de Bombom, uma transformista amante do garoto de programa interpretado por Paulo Castelli, galã da época. Patricio está de verdade antológico em cena, divertido e ultrajante ao mesmo tempo. Pena que Almodovar não o tenha conhecido, com certeza teria feito parte de algum de seus filmes. Amo filmes nacionais dos anos 80, porque sempre tem essa atmosfera cafona, decadente, underground, e com elenco global fazendo cenas que hoje em dia eles não fariam. Naqueles idos, a permissividade era plena ( não se esqueçam que “Rio Babilônia”, um dos filmes mais permissivos da historia mundial, foi realizado em 1982!!!) Assistir ao filme hoje em dia me foi motivo de muitas risadas, principalmente por conta da cena de sexo entre Regina e Castelli: ele vem com tudo, querendo enfiar a língua varias vezes na boca de Regina e ela mantendo sempre fechada. Ri, mas ri demais!!!! Outra delicia é assistir a ficha técnica e ver super profissionais de cinema que já com nomes nos créditos: Ana Muylaert ( operadora de Vt), Toca Seabra ( fotografia adicional), Ricardo Pinto e Silva (Ass de Calmon). Gilberto Otero (câmera), Ze Bob operador de câmera, Pedro Farkas assistente de câmera. E a fotografia, do Mestre Affonso Beato, que viria a trabalhar anos depois com Almodovar em “Carne tremula”.

Na vertical

“Rester vertical”, de Alain Guiraudie (2016) Exibido na competição do Festival de Cannes 2016, o filme dirigido e escrito por Alain Guiraudie saiu sem prêmios. Para quem não associa o seu nome, em 2013 “O estranho no lago”, escandalizou em todo o lugar aonde foi exibido, tendo ganho o Premio de Direção na Mostra Um certo Olhar de Cannes. No filme, cenas explicitas de sexo entre homens `a beira de um lago, enquanto um assassino andava `a solta. Ousado, é um filme muito bom na construção de cenas eróticas e na elaboração de um thriller de suspense bastante tenso ( mesmo tendo humor negro). Mas “Na vertical” infelizmente ficou mais próximo de outro filme de Guiraudie, chamado “O rei da fuga”. Em ambos os filmes, segue-se uma narrativa lenta, beirando o surrealismo, e mais do que nunca, o grotesco, através de cenas de sexo que claramente estão ali para escandalizar gratuitamente. Cenas filmadas com extrema frieza e dependendo do público, merecedoras de gargalhadas. Leo (Damienn Bonnard, um quase clone de Zachary Quinto) é um roteirista que sai do centro urbano at´o sul da Franca em busca de inspiração para seu próximo projeto. Essa inspiração vem através de um jovem rapaz que ele vê numa estrada e resolve flertar. Decsoncertado com a negativa do rapaz que não cede a sua sedução, Leo acaba parando em uma pradaria, aonde conhece uma jovem pastora de ovelhas, Marie, que trabalha para seu pai, Jean Louis. Ela o convida para ficar e Leo aceita. O tempo passa, ela fica grávida dele. No entanto, para sua surpresa, ela sofre de depressão pôs parto e o abandona. Sozinho com o bebe, Leo, sem dinheiro e sem trabalho, tenta buscar um rumo para a sua vida, e ao mesmo tempo, evitar as investidas sexuais de 2 homens mais velhos: o pai de Marie, e de um idoso da região, fã de Pink Floyd. O filme tem uma estrutura narrativa não linear, com cenas alternando entre campo e cidade, e ao mesmo tempo, para um lugar lúdico surreal, aonde Leo vai se consultar com uma terapeuta. Não posso negar que Guiraudie é um Diretor bastante criativo e ousado, mas nesse filme eu não consegui me conectar, talvez precise assistir de novo para ver se encontro elementos que me fizeram adorar “Um estranho no lago”. O filme tem 2 cenas fortes: um close no parto, absolutamente realista, e uma cena de sexo explicito: Leo fazendo sexo anal com o idoso. Imediatamente me lembrei de “ Nova Dubai”, filme nacional que tem a mesma cena. Como se vê, Guiraudie não é para todos os gostos. No desfecho, o espectador entende o sentido do titulo estranho do filme.

sábado, 4 de março de 2017

Sindicato de ladrões

“On the waterfront”, de Elia Kazan (1954) E’ de lei. Toda vez que revejo essa aula de cinema, eu choro no final. Esse é daqueles filmes que tenho que me obrigar a assistir de tempos em tempos. Aula de Direção, de atuação, de roteiro, de enquadramento, de roteiro, de uso de trilha sonora. No titulo original, que seria algo tipo “A beira mar”, veio a tradução obvia em português “Sindicato de ladrões”. Eles são mais que ladroes. São assassinos, corruptos, achacadores. O filme foi visto por boa parte da comunidade cinéfila americana como uma resposta de Elia Kazan para a acusação de delator que ele sofrera. Como membro do partido comunista, Kazan foi obrigado a delatar seus amigos artistas para a lista Macartista. Desde então ele foi atacado e mal visto pela classe. E o filme é justamente sobre esse tema, só que transposto para o Universo do Sindicato dos estivadores do cais do porto, em New Jersey de 1954. Marlon Brando, discípulo de Elia Kazan no seu famoso Actor’s Studio, que seguia o método de Stanislavsky `a risca, interpreta Terry, um ex-pugilista fracassado que agora trabalha no sindicato dos estivadores, comandado pelo mafioso Jonny Fridnely (Lee J Cobb), que tem afeição por Terry . O irmão de Terry trabalha como braço direito de Jonnhy. Um dia, Terry é usado como isca para matar o estivador Joey, que delatou o jogo escuso de Jonnhy no comando do sindicato. Terry se sente culpado pelo assassinato, pois achava que Joey levaria apenas um susto. Enquanto isso, ele conhece Eddie (Eve Marie Saint), irmã de Joey e disposta a descobrir quem matou seu irmão. Surge também o Padre progressista Barry (Karl Maiden), que quer que os crimes cessem e todos os culpados entregues a justiça, sem derramamento de sangue. Na sequencia, outros crimes acontecem, até que Terry , consciente, resolve botar fim ao comando de Jonnhy. Esse poderoso drama foi filmado de forma naturalista, como se Elia Kazan tivesse ligado a câmera e acompanhasse o que está acontecendo ali. Muito do filme foi rodado em locações externas, algo ainda não usual na Hollywood da época. Ele foi indicado a 12 Oscar, e levou 8, incluindo Filme, diretor, roteiro, Ator, Atriz coadjuvante ( Eve Marie Saint). Lee J Cobb e, Rod Steiger e Karl aAiden estão igualmente brilhantes. Cada um deles tem uma cena chave primorosa. A cena de Rod Steiger, que interpreta Charlie, irmão de Terry, no taxi, é um trabalho formidável de atores. A do padre fazendo a pregação no cais e sendo exculachado pelos estivadores, idem. A fotografia em preto e branco de Boris Kauffman, que depois veio a trabalhar varias vezes com Sidney Lumet, cria um repertório de imagens que ficam em sua mente por um bom tempo. Para quem é Ator, é instigante ver o filme e fazer um paralelo entre Marlon Brando e atores da Actors Studio, e outros do mesmo filme que não são.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Mercuriales

"Mercuriales", de Virgil Vernier (2014) Drama experimental e intimista, é o filme de estreia do diretor francês Virgil Vernier. Na periferia de Paris ( não existe a Paris de cartões postais, e sim a Paris dos desiludidos e marginalizados) existem os prédios Gêmeos Lea Mercuriales, uma espécie de World Trade center localizada no subúrbio. Ali nesse moderno prédio trabalham Lisa e Joana como recepcionistas. Inconformadas com o trabalho e com um sonho de fazerem algo que gostem, elas enfrentam a realidade que as puxa para um poço sem fundo. O filme trabalha com muitas metáforas e muita coisa com certeza mereceria uma segunda revisão para tentar ser melhor esclarecido. Existe um simbolismo na questão do duplo: as torres gêmeas, e as duas personagens totalmente idênticas em fisionomia, voz e inconformismo. Elas se conectam de imediato. Penso que poderia ser uma alusão à tentativa de uma unificação pacífica e harmoniosa por parte da Europa: uma delas vindo de Moldavia, pais entre a Romênia e a Ucrânia, tentando se adaptar e ser bem recebida em Paris. Existem cenas isoladas excelentes com diálogos primorosos que serviriam para excelente cenas de teste para atores: a discussão machista e religiosa entre um muçulmano e uma das meninas, que fica incomodado com a roupa que ela usa, a cena totalmente improvisado e genial entre as crianças, mostrando uma erotização precoce ( as crianças são todas excelentes) Li numa resenha que as protagonistas não são atrizes , isso justifica a narrativa solta que o filme tem. É um filme para Cinefililos com linguagem não linear. No geral achei interessante, mas prefiro ficar com cenas isoladas em mente. Fotografia colorida e pop, trilha sonora com sintetizadores. O filme me lembrou bastante da obra prima tcheca " Pequenas margaridas" que fala sobre feminismo, inquietação e inconformismo.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Other people

“Other people”, de Chris Kelly (2016) Ótimo drama no estilo “ feel good movie”, porém com uma carga emotiva mais melancólica. Chris Kelly também é roteirista do “Saturday night live” e estréia no cinema, mas diferente do que esperavam, em um filme bastante dramático, apesar da leve tinta de humor percorrendo por fora. Molly Shannon, que interpreta a mãe Joanne, ganhou o Spirit award de melhor atriz coadjuvante em filme independente em 2017. David é filho de Joanne e de Norman, e tem duas irmãs mais novas, Rebeccah e Alexandra. A família mora em Sacramento, California, lugar de onde David saiu tem 10 anos para tentar a sorte em Nova York como roteirista, e também porque seu pai não o aceita como gay. A vida de David não anda nada boa: seu projeto não foi aceito, seu namoro com Paul se rompeu e para piorar, sua mãe está com câncer raro. David acaba indo morar com a sua família para ajudar a cuidar de sua mãe. Assim, todos ali precisam aceitar as suas diferenças, e aprender a conviver com a mãe, que está definhando aos pouco, e lidar com a eminente morte. O trabalho dos atores nesse filme e’ espetacular. Amo filmes independentes justamente para descobrir novas revelações. Jesse Plemons, no papel de David, e Molly Shannon, no de Joanne, trabalham muito bem a dor e a alegria na relação filho e mãe. O roteiro de Chris Kelly permite que cada personagem tenha uma cena solo, e algumas cenas tem diálogos absolutamente brilhantes sobre relacionamento e sobre como encarar a dura realidade. Além disso, as cenas onde vemos David tentando se adaptar `a vida gay de Sacramento são bem divertidas, muito por conta de 2 personagens hilários, pena que desaparecem cedo da trama: seu melhor amigo gay Gabe (John Early, e que tem falas ótimas), e o inacreditável Justin, um menino praticamente travesti de 10 anos, interpretado por JJ Totah. Fiquei de queixo caído com a sua performance e despojamento, e por um momento até fiquei na duvida se não era uma menina. A direção de Chris, principalmente em relação aos atores, é muito boa. Ele alterna muito bem o drama e a comédia no filme, evitando o novelão, que seria óbvio em um tema como esse. Molly Shannon, de novo, faz o papel com tanta dignidade, que a gente torce por querer ver mais filmes com ela. Altamente recomendado, e seria um prazer assistir esse filme montado como peça de teatro com ótimos atores.

Victoria

“Victoria”, de Justine Triet (2016) Simpática comádia dramática co-escrita e dirigida pela cineasta Justine Triet. A protagonista é Victoria (Virginie Efire, de “Elle”). Ela é divorciada e tem a custódia de duas filhas pequenas, bagunceiras. Sua vida é caótica. Sua casa está de pernas pro ar. Ela contrata babás masculinos para cuidarem de suas filhas mas ninguém aguenta. Sexualmente livre, ela contacta parceiros em um site e os leva para casa. Um dia, ela é convidada para a Festa de casamento de um amigo. Chegando lá ela revê um ex-amigo que ela não via há muito tempo, Vicent (Melvin Poupould, de “Lawrence anyways”) e um ex-cliente, o ex-drogado Samuel (Vincent Lacoste). Dias depois, esses 2 homens a procuram: Vincent deseja que ela o representa numa ação que a sua mulher moveu contra ele por violência doméstica. Samuel, por sua vez, quer recomeçar sua vida e pede para Victoria contratá-lo com Babá das crianças e seu assistente na advocacia. O nome da personagem é bem obvio, Victoria. E é isso que a protagonista almeja: ela precisa vencer na sua batalha diária. Na profissão, na vida amorosa, na relação com seu ex ( que escreve em seu Blog detalhes íntimos da relação que tinha com a esposa e fala também dos clientes dela) e suas filhas. Virginie Efire está excelente no personagem titulo. Melvin Poupould, que eu só havia visto em filmes dramáticos, está á vontade em um personagem tragicômico. A grande surpresa é o ator Vincent Lacoste, carismático no seu papel de nerd drogado. O filme fala sobre uma mulher em busca de um sentido para a sua vida, e pelo excesso de tempo cedido ao trabalho e as filhas, ela acaba não tendo tempo para refletir sobre a sua existência. Um alerta para a independência feminina. Os homens no filme são retratados como carentes e dependentes dessa mulher que por sua vez também é carente. Um filme moderno, que fala sobre relações infelizes e melancólicas. Victoria é consultada por um psicólogo e por uma vidente para ver aonde ela encontra respostas para a sua vida. E é isso o que todos buscamos hoje. Justine Triet faz um filme correto, sem pretensão. Bela fotografia, boa trilha sonora. Foi o filme de abertura da prestigiada semana da Critica em Cannes 2016, e de lá saiu com a Palm Dog, troféu destinado aos cães com melhor interpretação. O Dalmata venceu ( a cena dela no tribunal e hilária. O macaco também está ótimo).

quarta-feira, 1 de março de 2017

Logan

“Logan”, de James Mangold (2017) Impossível não assistir ao filme e não se lembrar das referencias a “Stranger things”, “ Mad Max”, “ Exterminador do futuro” e a vários faroestes, que é a base para esse dramático retorno de Logan/Wolverine e Professor Xavier. Em uma cena, Xavier assiste ao clássico faroeste “ Os brutos também amam”. O cineasta James Mangold inclusive dirigiu um, “3:10 para Yuma”. Eclético, James Mangold desenvolveu a história desse “Logan”. Ele já havia dirigido “ Garota, interrompida”, que deu o Oscar de atriz coadjuvante para Angelina Jolie, “Copland”, com Stalone e o filme anterior do Wolverine, que se passa no Japão. Aliás, Esqueçam esse Wolverine, porque “Logan” não tem nada a ver. Outra atmosfera, outra pegada, outra vibe. Aqui, o apelo é dramático, apesar de varias cenas de ação. Logan e Xavier estão doentes. Nesse futuro de 2029, os outros X-men morreram e só sobraram eles, além de Caliban, um albino que mora com eles. Logan sobrevive trabalhando como motorista particular. Com o dinheiro, ele compra remédios para Xavier. Um dia, ele recebe uma chamada para uma corrida e conhece Gabriela, uma enfermeira mexicana, que esta acompanhada de uma menina muda, Laura. Ela pede para que Logan cuide dela, mas ele recusa. Logo, os caminhos dos 2 irão se cruzar, e segredos do estado virão `a tona. A direção de James Mangold surpreende, mostrando uma afinada condução de cenas de drama e de ação. Os atores estão ótimos: Patrick Stewart e Hugh Jackman reinventam os seus personagens, dessa vez com outra pegada: velhos, cansados, abatidos, melancólicos. A menina Dafne Keen, no papel de Laura, é uma pequena força da natureza, e lembra inclusive a Eleven, de “Stranger things”. Desde o inicio, os créditos iniciais, sem efeitos especiais, já dão o tom do filme que iremos ver: praticamente um drama. Fico na dúvida se parte do fã-clube dos X-men irá gostar do filme. De qualquer forma, é um filme corajoso, por quebrar a rotina de uma franquia que já vinha dando sinais de cansaço.

Beleza oculta

"Collateral beauty”, de David Frankel (2016) O roteirista Allan Loeb deve ter lido algum livro do brasileiro Augusto Cury em sua biblioteca, pois é muito semelhante as historias de “ O vendedor de sonhos”, e esse “Beleza oculta”. A apresentação do filme também me lembrou bastante o recém filme de fantasia “A cura”, de Gore Verbinsky. Que começa muito parecido. Howard (Will Smith) é sócio de uma empresa de publicidade de grande sucesso, junto de Whit (Edward Norton), Claire (Kate Winslet) e Simon (Michael Pena). Quando a filha de 6 anos de Howard morre, ele perde as esperanças de viver e fica em depressão. Ele escreve cartas para 3 entidades, uma forma de poder desabafar a sua raiva do mundo: Morte, Amor, tempo. Seus sócios, desesperados por estarem perdendo cliente fortes que só querem negociação com Howard, acabam contratando atores para desempenhar os papeis de Morte (Helen Mirren), Amor (Keira Knightley) e Tempo (Jacob Latimore). Dessa forma, as 3 “ entidades” poderão trazer Howard de volta para a sua sanidade. Mas as coisas não acontecem como esperado. Esse é um filme de auto-ajuda, para pessoas que passaram por alguma perda na vida e que não conseguem se reconectar. O filme tem todas as boas intenções do mundo, mas os diálogos forcados e a intenção de fazer o espectador se emocionar a todo o momento ( reviravoltas na trama, personagens que entram e contam suas tragédias pessoais, a trilha sonora melosa). Alias, no inicio do filme, quando Howard da um discurso de motivação em sua empresa, parece o texto de suas famosas frases que estão em vídeos no youtube: frases feitas para botar qualquer um na roda de novo. O cineasta David Frankel, que realizou o ótimo “ O Diabo veste Prada”, não pode fazer muita coisa: o projeto provavelmente já era para ter esse tom desde o seu embrião. Muita chorumela, muita cara fechada. Não só Howard, mas todos os outros passam por transformações. O final procura fazer um plot twist, mas ai o espectador mais atento já entendeu a deixa. O elenco infelizmente esta todo no automatico, e inclusive, foram em peso nomeados para Pior elenco no Framboesa de Ouro.

Asas do desejo

“Der Himmel über Berlin”, de Win Wenders (1987) Um dos maiores cults dos anos 80, “Asas do desejo” deu para Win Wenders o premio de Melhor direção em Cannes 87 ( no mesmo ano, Cacá Diegues competia com “Um trem para as estrelas”). Vendo a ficha técnica do filme, me surpreendi com a presença da Cineasta francesa Claire Denis como a assistente de direção de Wenders. Ela deve ter sido uma peça importante para a execução do filme, com certeza. Em 1998, houve uma refilmagem americana, chamada “Cidade dos anjos”, com Meg Ryan e Nicholas Cage, mas com final diferente. E em 1993, Wenders fez uma continuação do filme, chamada “ Tao longe tão perto”, que ganhou o Premio do júri em Cannes. “Asas do desejo” foi realizada quando ainda existia o Muro de Berlin que dividia a Alemanha em 2 países: a comunista (Oriental) , e a capitalista (Ocidental). Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander) são anjos que pairam pelos céus de Berlin ocidental. Eles tem livre arbítrio geográfico, e perambulam pelas duas Alemanhas, sem problema, já que ninguém os vê (Somente as crianças, com a sua pureza, conseguem enxerga-los). Os anjos tem o poder de ler os pensamentos dos humanos: sentem suas angústias, suas frustrações. Um dia, Damiel, ao assistir a uma apresentação de um circo, se apaixona pela trapezista (Solveig Dommartin). Não conseguindo lidar com o sofrimento angustiante que o amor lhe proporciona, ele pede para se transformar em humano. O filme é uma linda historia de amor. Tanto pela relação Homem X anjos, quanto uma declaração de amor de Win Wenders por Berlin. O filme de Wenders é repleto de simbolismos e metáforas. A mais óbvia para mim, fala sobre a barreira que divide geograficamente o Pais em 2 ( com liberdade de expressão e desejos humanos totalmente diferentes) e a barreira que divide o imortal do mortal, o céu e a terra, os desejos reprimidos dos “anjos” com as realizações mundanas referentes ao amor e `a depressão que provoca suicídio. Wenders quer falar da memória , da Alemanha destruída pelo Pós-Guerras e a sua tentativa de se reerguer. Ao mesmo tempo, quer homenagear o Cinema ( um tema recorrente em sua obra, uma vez que ele é cinéfilo e fã de filmes noir e policial americanos). O ator americano Peter Falk, famoso pelo seriado Columbo, representa ele mesmo. Ele foi convidado por uma produção Alemã para fazer o papel de um detetive durante a 2a guerra. Tem uma cena extraordinária ( e o filme é repleto delas), onde Peter Falk divaga sobre a memória, observando o set de filmagem reproduzindo um campo de concentração judeu, e ao mesmo tempo, observa os figurantes, idosos, sofridos, vestidos a caráter. O que é real e o que é ficcional, esse é o grande barato desse set de filmagem, onde pessoas de hoje ( provavelmente os figurantes idosos até vivenciaram) fazem uma viagem ao passado, revivendo os tempos dos campos de concentração. Assistir ao filme também é uma linda viagem ao tempo, a uma Berlin que não existe mais, ao som de Nick Cave ( que aparece em cena em um show). Uma época do punk, do gótico, de uma geração devastada pelo comunismo que os afastou de seus entes queridos. Antológica também as cenas que acontecem na Biblioteca da cidade, lugar onde os anjos se reúnem. Ali, no berço da cultura, é que eles se alimentam das angústias relacionadas `a filosofia e ao existencialismo dos frequentadores. A personagem de Marion, a trapezista, também é bastante emblemeatico. Ela é uma trapezista que atua com asas falsas, mas reproduz o anjo pelo qual Damiel se apaixona. Ela pendurada no céu, e ele aqui, na terra. Um belo contraste. O filme tem fotografia em preto e branco e colorido. Dentro da filosofia do filme, preto e branco e o mundo dos anjos, e o colorido, dos humanos. O fotografo Henri Alekan ( de “A bela e a fera”, de Jean Cocteau”) brinda o espectador com algumas das imagens mais lindas e comoventes de Berlin. A atuação de Bruno Ganz é magnética. Seu anjo Damiel é de uma dimensão acachapante, só com os seus olhares, a gente já fica seduzido. As imagens dele sentado na estátua da Coluna da Vitória, ficaram para a história do cinema. A atriz Solveig Dommartin, que é francesa, chegou a se casar com Wenders e ficaram juntos até 1993. No final, Wenders homenageia o filme aos “anjos” OZu, Truffaut e Tarkovsky, alguns de seus cineastas favoritos ( entre tantos que sabemos, como Nicholas Ray, Bergman e Antonioni).